sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Série de entrevistas - Parte II: MV Bill

Esta é a primeira parte da entrevista realizada com o rapper MV Bill. Autor do livro e do documentário "Falcão - Meninos do Tráfico", ele conversou sobre o envolvimento das crianças com o tráfico de drogas. O músico, que também participou da criação da Central Única das Favelas, também esteve nas periferias da capital gaúcha para realizar o documentário e alerta que, embora se pense que essa realidade ainda não chegou ao Rio Grande do Sul, meninos trabalham para traficantes também por aqui.

Blog: Com se dá o envolvimento dessas crianças com o tráfico de drogas?

MV Bill: Olha, no Brasil inteiro, inclusive ali em Porto Alegre, eu percebi que as causas são muito parecidas. Os filhos das favelas, na maioria das vezes, quando chegam a entrar pro trafico, eles não têm estrutura familiar. Os meninos que aparecem no documentário, inclusive aqueles ai de Porto Alegre, a maioria não conheceu o pai, ou o pai abandonou a família muito cedo. Esse jovem, mesmo sendo menor de idade, quando ele ainda é uma criança, ele passa a ser o chefe da família. Se ele não tem uma estrutura, o tráfico de drogas acaba estando de braços abertos para recebê-lo. Há uma grande estrutura que, na realidade, a gente, eu digo, a gente a sociedade, temos trabalhado de forma errônea. Trabalhamos somente nas conseqüências. O "Falcão" deixa bem claro quais são as causas. E trabalhando as causas a gente tem resultados bem mais positivos.

Blog: E onde é que estão os erros? Quer dizer, sabemos que tem toda essa problemática de falta de estrutura familiar, o problema do desemprego, toda essa questão social. Mas onde exatamente está esse erro e será que isso tudo tem solução?

MV Bill: A solução eu continuo acreditando que é possível. Só que eu não vejo algo de imediato. As soluções vêm a médio ou longo prazo. Mas para isso tem que iniciar por partes e já. Mas isso ainda não aconteceu. Existem organizações, trabalhos individuais, prefeituras que dispõem suas secretarias e que estão um pouco mais voltadas para esse lado. Mas o Brasil, como um todo, ainda não engrenou, ainda está apático. Não se mobilizou nem se comoveu da forma como deveria.

Blog: Tanto o cidadão como o poder público... Como a gente pode dar a dimensão do problema que é o fato de as pessoas não estarem preocupadas, ou suficientemente preocupadas, com o envolvimento dos garotos com o tráfico de drogas?

MV Bill: Bom, quando saiu o documentário, a primeira entrevista que eu fiz ai no Rio Grande do Sul com um jornalista, ele estava indignado porque um amigo dele jornalista, ao vere o documentário, comentou com ele assim: "Poxa, você viu? Os traficantes do Rio de Janeiro estão usando camiseta do Inter e tomando chimarrão". Porque na cabeça dele, ele já está preparado, para imaginar que aquela realidade é uma realidade do Rio ou de São Paulo, no máximo. Ele não imagina, ou prefere não entender, que aquela realidade está do lado dele também. Embora a ocorrência esteja menos extensiva, com material bélico seja menos pesado. Mas isso não faz do problema menos grave. A gente quer tentar fazer alguma coisa agora pra Porto Alegre não ter que usar a mesma metodologia errada que está sendo aplicada em São Paulo e no Rio de Janeiro. Porque é melhor entrar, não somente com a força da polícia, com mais armas, mais violência, mas com um aparato social. Se houvesse uma grande intervenção desse modo, isso poderia mudar. Porque Porto Alegre é uma das capitais mais ricas do país, com pessoas mais esclarecidas. Acho que daria pra dar uma equilibrada.

Blog: O que tu viste em Porto Alegre?

MV Bill: Eu vi algumas diferenças nos tipos de drogas, de armas, de organização de quadrilha. Mas as coisas que mais me chamaram a atenção foram as semelhanças, de ter estrutura social muito parecida. Mas Porto Alegre também tem algumas diferenças marcantes, por exemplo, de ter mais jovens de pele de cor clara envolvidos com crimes, se comparado com outras capitais. Mas o problema é grave do mesmo jeito. Mas quando olho pra Porto Alegre, consigo enxergar uma solução. E que não vai ser a partir de mim. Vai ser a partir de quem tem o poder na mão fazer alguma coisa.

[continua... na próxima semana será publicada a segunda parte da entrevista]

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