quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Série de entrevistas - Parte I

Diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), Álvaro Sataigleder

(explicações sobre o teor da entrevista estão no post anterior)

Blog: Qual o tipo de entorpecente que tem sido mais apreendido e mais consumido em Porto Alegre?

Del. Álvaro Staigleder: A substância que está predominando no usuário de droga é o crack. Isso é um fato que vem ocorrendo há algum tempo mas está se acelerando. Pra se ter uma idéia, em todo ano passado o Denarc [Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico] apreendeu cerca de 50kg de crack. Somente este ano nós já passamos de 80kg. Então isso reflete a mudança do consumo, está migrando da cocaína e da maconha para o crack. Porque o crack, aproximadamente quatro pedras já adquire vício e se torna usuário dependente. Temos usuário experimental, que usa uma vez pra conhecer; o ocasional, aquele que usa, por exemplo, em alguma festa; e aquele dependente. E o crack tem esse poder de tornar a pessoa dependente muito rápido. E, como qualquer outro tipo de droga, mesmo as lícitas, é muito difícil de abandonar.

Blog: Também é uma droga cara...

A.S.: Num primeiro momento parece barata. Uma pedra custa R$ 5. Ao passo que uma grama de cocaína, por exemplo, tu pagas de R$ 10 a R$ 30. Porque o custo é muito alto: o usuário pra fazer uso de dez pedras de crack num valor médio de R$ 50. Não é qualquer um que consegue manter esse vício. E o usuário de crack perde emprego e família. Então ele migra primeiro para edlitos leves, vende objetos pessoais e da família, pratica pequenos furtos para sustentar o vício. Depois pratica atos mais graves de violência, até contra o próprio corpo, como a prostituição, pra conseguir dinheiro. Então o custo social dele é muito alto.

Blog: E existe um perfil do usuário de drogas em Porto Alegre?

A.S.: Hoje o consumo da droga está disseminado. Nas classes mais altas o usuário já não entra, por exemplo, no crack. Porque, por mais esclarecimento, ele leva medo e também é percebido pela família mais cedo. Aí vai ter um efeito repressivo no sentido de ajuda-lo. O que tem entre essas classes é ecstasy e LSD, nessas festas rave, por exemplo. A maconha, que é uma droga depressora, é de outro momento, outras situações e já é até mais tolerável em algumas famílias. Os pais dizem que é uma fase. Mas é uma fase que pode complicar a vida da pessoa. Eu acho que não deve haver essa tolerância de aceitar que o filho use maconha.

Blog: O senhor acha que a legalização de drogas como a maconha reduzira índices de violência e criminalidade especialmente nesses pontos que são dominados pelo tráfico?

A.S.: Não, acho que não. Esses dias o vocalista de uma banda européia disse que a droga mais difícil de largar foi o cigarro, porque tem pra vender na esquina. A melhor forma de ajudar um usuário é dificultar o acesso. Eu sou totalmente contrário. Faz essa pergunta para pessoas que têm na família dependentes abusivos de qualquer tipo de drogas. Eles vão responder com muito mais propriedade, vão responder com o coração, porque eles têm esse problema dentro de casa. Eles são os profissionais pra responderem essa pergunta, eu sou um profissional de polícia, só.

Blog: E apreensões de maconha em Porto Alegre, é em grande quantidade?

A.S.: É usual. Em questão de uma semana o Denarc apreendeu 34kg de maconha. O uso é muito intenso de maconha. E veja bem, o que a gente ouve falar do usuário é que não dá nada. Dá sim. Deixa seqüelas pro resto da vida e, em alguns casos, a vida termina pelo envolvimento com outros tipos de delito. E a família se desestrutura. Nós temos uma certa hipocrisia de achar que nosso filho é só usuário. O outro é que é traficante. Nossos filhos são vítimas, coitados. Então acho que a gente tem que olhar um pouco pra dentro de casa. Não delegar a educação ao Estado ou a escola, seja ela pública ou particular.

Blog: Então, na sua avaliação, quem consome também financia a violência...

A.S.: Sem dúvida, o consumidor, quando compra um baseado e paga R$ 1, quando compra uma grama de cocaína por R$ 10, e inclusive gente de gravata doutor, pessoas de nível social e cultural muito alto, tem essa hipocrisia. Condenam a violência, mas fomentam essa criminalidade. Nós tiramos esse ano do mercado 80kg de crack. Isso nós estamos falando a bagatela, por baixo, de R$ 4 milhões. R$ 4 milhões que deixaram de reverter em mais drogas, em armamento pra quadrilhas. É dinheiro que sai da criminalidade. Sem hipocrisia: há tráfico porque nós consumimos drogas, a sociedade consome. Não há tráfico por filantropia ou ideologia. Há tráfico por mercado.

Um comentário:

Clarice Gontarski Esperança disse...

Muito interessante a entrevista. E a história da migração da cocaína para o crack é bem forte (apesar de que eu não consigo entender bem tal mecanismo: um usuário de coca migrando para crack, já que são drogas de classes sociais diferentes no Brasil). Me chamem de tradicional, mas senti falta de uma pequena apresentação, um "olhinho" com os dados do delegado (sim, eu vi que o cargo está no post anterior). Bem legal! Estou louca para ler os próximos.