terça-feira, 28 de agosto de 2007

Assunto pra mesa de bar: a falsa polêmica

Essa semana chega às mãos da governadora Yeda Crusius o anteprojeto da lei seca. A idéia é restringir a venda de bebidas alcoólicas em todo Estado como forma de combater a criminalidade.

Segundo o Secretário de Segurança José Francisco Mallman, a proposta elaborada por um grupo de trabalho (instituída pelo próprio) proíbe ainda mais a venda de álcool. Inicialmente a idéia de aplicação estava restrita a sextas-feiras e finais de semana. Pelo anteprojeto, bebidas alcoólicas não poderiam ser vendidas durante toda a semana, porém em horários distintos.

A primeira e principal justificativa do secretário para implementação da Lei Seca (que ele tentou fazer que surgisse como iniciativa dos municípios, mas não conseguiu) foi que 80% dos homicídios acontecem sob influência do álcool.

Conversando com colegas de profissão numa dessas pautas da vida, lembramos que, novamente questionado sobre o dado, Mallman não citou mais os homicídios como exemplos tão “promissores” da influência da bebida. A estatística não existe.

Na mesma semana em que o projeto começa a ser seriamente avaliado pelo governo do Estado, o Chefe de Polícia, Pedro Rodrigues, convoca uma coletiva. No terceiro andar do Palácio da Polícia, sentado em frente aos jornalistas, o delegado explica a causa da entrevista: “há muitas opiniões de todos os lados sobre a eficiência da lei seca na redução da criminalidade. Para acabar com isso eu pedi um levantamento sobre quantos inquéritos policiais que estão em andamento apresentam crimes que, de alguma forma, tem relação com o álcool”.

Disse o delegado que dos 1,3 milhão de inquéritos, 40% são de crimes que aconteceram sob influência da bebida alcoólica.

O caso está claro. Os subalternos se movimentam para, dentro de suas possibilidades, fortalecer a tese da autoridade máxima da segurança pública no Rio Grande do Sul. (Não quero com isso questionar a competência de José Francisco Mallman. Tenho plena consciência do conhecimento técnico, prático e tático ligado à área da segurança. Estava lá quando uma operação chefiada por ele localizou 22 bandidos ligados ao Primeiro Comando da Capital, vulgo PCC, num edifício do centro de Porto Alegre. Desde que eu vi aqueles criminosos com marcas de pé na bunda após serem presos pela Polícia Federal, não duvido da competência desses profissionais. Voltando ao fato...). Mas o dado foi divulgado sem qualquer base teórica ou comprovação científica. Em outros termos: chute. “Isso nós levantamos com base nos relatos de policiais e depoimentos das vítimas”. Quer dizer, exames, testes, contas, números! São os números que provam, não?

“São dados que vêm da fonte, de quem lida com isso diariamente”, ressalta Pedro Rodrigues. Ok, delegado, eu não duvido. Mas o senhor divulgar numa coletiva de imprensa um chute? Está clara a intenção. “O que é importante ressaltar é a grande presença do álcool nos crimes de trânsito (55% dos casos), contra a mulher e contra criança e adolescente (ambos 80% dos casos)”.

Existe uma tentativa de movimentar a opinião pública a favor da implementação da Lei Seca. Não vou duvidar aqui da possível eficiência de tal norma em casos de crimes passionais: vizinho mata vizinho, marido mata mulher. E reduzir esses índices, lógico, seria positivo.

Porém, é uma falsa polêmica. A polêmica que se cria e se sabe que não dará em nada. Basta ler nos jornais. Grande número dos casos de homicídio envolve rixas, acertos de conta. A maioria tem como pano de fundo as drogas. As drogas são ilegais. E então? Se funcionários do Departamento de Água e Esgotos não entram em algumas regiões porque estas são dominadas por traficantes, quem vai fiscalizar a venda de bebidas no bar da esquina?

O que quero não é manifestar contrariedade à restrição à venda de álcool. Não pretendo falhar com um pré-julgamento. Quero dizer que a raiz do problema é outra. E envolve outras, e outras, e outras.

Qual a magnitude do álcool diante do quadro de criminalidade? E educação, e cultura, e política, e religião, e família, e índole, e bom senso e sociedade? Tráfico, policiais mancomunados a traficantes, ausência do Estado em determinadas localidades, abandono, desemprego, instituições falidas (escola, igreja, família). Oferecer alternativas de sobrevivência, mais atraentes que o mundo do crime (e suas facilidades). Impedir que os jovens morram, porque está claro: o número de garotos, rapazes com menos de 30 anos, vítimas de um disparo de arma de fogo, é assustador. O crime não permite longevidade. Isso exigira horas de dissertação. Recursos, prioridades de investimento, porte de arma, estatuto e plebiscito do desarmamento. É tema para tese, não para um simples texto.

O que é preciso: política ampla e emergencial. Porque Lei Seca, a falsa polêmica, convenhamos, é somente assunto pra mesa de bar.

Um comentário:

Clarice Gontarski Esperança disse...

Comentário: uma coisa é a proposta da Lei Seca, outra é o uso de dados sem comprovação por autoridades públicas para legitimar atitudes ou opções administrativas.

O post me lembrou de um antigo caso, envolvendo o delegado Pedro Rodrigues e a polêmica do "vento norte"...